ENCONTROS COM O GÊNIO POÉTICO
Passo horas vagando em um tempo e espaço dilatados, não sei se no passado ou no futuro, sinto-os agora, neste exato instante. E isto me basta. Sei que é inaceitável para a sociedade que um homem ou mulher que se considere são passe horas vagando em seu mundo interno, sei que é mais facil considera-los loucos, por se entregarem a um "espaço vazio". Mas este espaço, esta "meditação", é uma grande via. É um portal raríssimo do imaginário, museu de todas imagens. Um portal para a consquista do eu, ou sua perda absoluta, mas principalmente para a percepção clara de outros mundos e linguagens, de outros seres e universos.
Não abro mão dessa entrega ao vazio, pois vejo que a sociedade, não tendo tempo para "futilidades", alimenta o desejo monstruoso de controlar a realidade. Correndo cada dia mais para o abismo. Esta realidade não raras vezes estúpida e terrível, não passa de um um conjunto de imagens, que antes de serem uma verdade absoluta, são apenas crenças, invensões, virtualidades soltas na vida como animais selvagens. Virtualidades interpretadas e projetadas por cada homem e mulher que cria o mundo. Tendo como princípio a imaginação, o devaneio, seja ele doentil, por raramente mergulhar em si mesmo, ou poético por estar voltado, estética e ativamente para o si e para o mundo.
#walter sarça
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RETORNO À NATUREZA
Há um banhar-se nas águas da vida, na fonte... Subir a montanha, dançar ao luar... Em torno de uma fogueira, ao som das canções do amor... Tanta leveza não cabe em toda parte. Não se chega ao céu clamando no deserto, nem se alcança a cura fingindo ser são. Sim estamos doentes, e nossa doença é a falta de prazer, é o medo e a culpa impostos justamente pelos que acreditam serem donos da verdade. Dizendo que o corpo é sujo e a alma é pura. Que seremos condenados ao sofrimento por seguirmos nossas energias, as sensações do corpo, do sexo e da poesia.
Há um banhar-se na chuva, sentir a liberdade momentânea que indica uma realidade maior. Sentir na face a beleza do instante, as gotas leves que caem das nuvens pesadas... O céu é aqui, na respiração... Inspiração, expiração... Céu... No escuro principia a luz... Dali surge as coisas, as danças, fascínios, surpresas, maravilhas... A claridade é um desejo chamando risos.
Tempo, conte-nos uma história. Você que assombra com a sua inexistência, você que conhece todas as coisas... Conte-nos sobre o instante. Nada de passado ou futuro. Estamos livres aqui neste instante de toques, e cantos e palmas... Sim, mais palmas e cantos e toques... Poema e vinho, beijos, desejos, alegria, e o fogo e o ar, e terra e a água... A ciranda dos brincantes... Há um voar, se chovem estrelas. Um iniciar-se no sonho, um sonhar com livros... Há a chama da vela, e a fogueira que arde, sim há prazer e cura, há alegria e descanso...
Nada levamos, e nada queremos levar. E mesmo assim temos tudo, cada coisa em seu lugar... Bem vinda a saúde e bem vinda a doença... Nenhum desespero porém, nem ato desesperado. Nada de estilos de vida, somente vida. Não há motivos para chorar, para bajular a sabedoria e o espírito, nem para invejar o dinheiro ou a beleza... É simples e natural, como aprender a andar... Como andar e cair... Ou como voar, para alguns...
Um rio corre... Já não é o mesmo rio, inominável rio. Fogo! O fluir natural dos sonhos e realidades... Juntos, amantes e irmãos! Eu os convido, venham à natureza, à leveza dionisíaca. Nada trágico agora, tudo simples, o amor e o sexo, o alimento e o esquecimento. Afastados das buzinas e roncos, dos lamentos e lágrimas... Distantes da fumaça e da pressa, dos terrores e cenas. Apenas uma canção seguida de outras...
Palmas para a vida! Ciranda de alegria... Nudez e calor, fogueira de sonhos, risos e êxtase. Não há mais diferença entre vida e arte, são amantes de corpos suados, e beijos molhados... Eia! Cambalhotas... Hereges, profanos... Dançarinos da terra... Frutos da terra, sementes, árvores e estrelas... Não há pecado nem culpa. O amor desfaz o medo, o amor é uma criança...
Eis o convite, estou aqui, e em toda parte... Um sossego que quer partir... Uma partida que descansa... Esse convite é para todos, mas a montanha sabe a quem receber... Os pesados e covardes, os falsos e malvados ficarão de fora, não suportarão tanta alegria, tanta beleza e mistério... Enfim passarão os dias, e os dias findarão do nada... Eles vieram do nada, do caos, do vazio... Todos poderão ver ainda os raios do sol... Nem todos irão reparar o quanto são os raios do sol, do sol e das estrelas... Mas assim é a vida, desde a fecundação... As bactérias se multiplicam, as coisas surgem, e mudam a cada instante... Do triste surge a alegria, mas como? Através da dança... Da poesia. Há uma poesia no ar, ela está na vida, na cusparada e no vômito, nas pichações e socos na cara, mas principalmente no silêncio, nos olhares, e sexos vibrando de desejo...
Há poesia... Só os poetas se vão. Mas retornam... Eles conhecem o passado e o futuro, mas se desvencilham cada vez mais de argumentos e teorias. Buscam a liberdade do dançarino e do andarilho... Querem suas dores também, seu desnudamento... São eles quem dizem: Há um banhar-se nas águas da vida, na fonte... Subir a montanha, dançar ao luar... Em torno de uma fogueira, ao som das canções do amor...
# walter sarça
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ARCANO ZERO
Solto os cavalos e eles rodopiam no redemoinho... Cavalos no ar, em seus olhos museus. Saboreio o bolo encantado de cada momento. Tenho ainda varias ruas para devanear... Que se aborreçam os vendedores de portas, as balconistas com riso forçado, os homens sérios e estressados de gabinete. Não tenho agora como sentir a dor do mundo, pois o mundo esquece de dançar ao som dos pássaros e do vento nas folhas. Que se aborreçam! Devo parecer inconseqüente, mas toda a física moderna é inconsequente. Me divirto, estou sapateando no sonho, em meu breve mundo que não é de plástico. Meu único trabalho é o riso. Não sei outra forma de ganhar a vida. Sou um palhaço passeando de bicicleta e dizendo olá para as flores.
Como não pensar em arte? Estou leve, ainda posso voar! Por vezes um sorvete me basta! Sinto fome sim, mas não vendo a alma. Quero mais do bolo. Uma camada de prazer, uma camada ainda de desprendimento. Não me culpem por isso, tenho a minha medida, e passeio largo por ela. Não estourem comigo, não precisam se ocupar, eu me demito! Os sinos tocam por mim, mas já estou burlando o tédio com uma nova dança. Verdadeiramente louco. Inútil, irresponsável, enfim, vivo e alegre! A sociedade não haveria de me perdoar, não fosse eu um antídoto. Que importa não saibam, estou contente. Tenho um bom apetite e brinco com meus poetas favoritos e com minhas irmãs por entre becos ou à luz de velas...
#walter sarça
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OS RUMOS DO TEMPO
Perfuro as camadas do tempo, vejo adiante e na memória secular, que tudo acontece aqui. Neste exato corpo, e na nuvem que adentra o corpo. Neste bosque de sonhos, e na cidade inteira, com seus lamentos, pressa, filhos e filhas, homens comuns, mulheres comuns, árvores, às quais o vento acarícia ou derruba. Nos pedestres, ciclistas, automóveis que avançam e afastam-se, e são sempre outros. Perfuro o tempo através de um buraco de minhoca, vejo que o sol e a lua estão dançando em harmonia, que a morte e a vida, estão dançando em harmonia, e que o suor e o descanso estão dançando em harmonia. Um tempo de medo, outro de ousadia, um tempo de contemplação e outro de ação, e entre eles o beijo dos amantes, a chuva que cai, o sexo, os ponteiros do relógio, os raios do sol na janela, as traições, as paixões, os pesadelos e sonhos, os devaneios e lutas.
Tudo no tempo, e nada no tempo, no ontem, o amanha e o agora; e no agora, o ontem e o depois. Nada falta se o amor está completo, e nada falta se ódio também está completo. Entre os becos os rastros de todos os outros becos; em cada vereda átomos de todas as veredas. O corpo morto e o da criança que nasce. Tudo caminha para si mesmo, o passado caminha para si mesmo e para o agora, e o futuro caminha para si mesmo e para o peito do agora... Uma nuvem que passa. Uma pedra que esconde todas as pedras, um grão de areia que esconde galáxias inteiras.
Perfuro as camadas do tempo e prossigo, tão presente que nada falta. Entre homens e mulheres presentes realizo o encontro. Adentro seus olhos e suas carnes, e sou seus olhos e suas carnes, frívolo e consistente, estou onde estou, em toda parte.
#Walter Sarça
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O CANTO DAS PRIMEIRAS DELÍCIAS
o sublime em mim é você, com sua voz e seu perfume, com seu canto de delícias. São tuas as noites que guardo para o amor. E para você ergo esta taça. Seja homem ou mulher, você é deus, ao qual vislumbro o olhar. Nem leve demais nem pesado, apenas ser, água, fogo, pássaro a cantar quando o sol bate à janela.
o encanto todo está em teus gestos, no vento fresco a soprar tuas pupilas, e em tua força, tua raiva, teu desespero. Tudo em você sou eu. E tudo em você brilha na noite em que vagueio...
você é vinho e é água, é fome e banquete. Com você estou alegre, e protegido e livre. Por você vagueio de cidade em cidade, à tua procura, mesmo estando a teu lado. Sempre te perco e te reencontro, amado ou amada, sempre canto e danço contigo.
# walter sarça
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Oh, FAMÍLIA
Outra família começou a ser dizimada. Primeiro o caçula, depois o irmão mais velho, a avó e agora a irmã tímida, mas vaidosa. “Lacaios do amor”... quai são as novas? O que estão calculado desta vez? Tudo bem eu abaixo o volume, alías eu não gostava mesmo desta canção... acabaram as discussões e os esforços... Quantas vezes dançaram juntos? Quantas vezes brindaram sem que fosse natal ou outras datas idiotas? Quantos piqueniques fizeram sob árvores alegres e nuas? Desligaram a TV finalmente?
Em um instante de delírio acreditaram no amor? Um amor para além da família... um amor que escorra pelas brechas da casa e invada as casas vizinhas... que invada a rua, os supermercados da ilusão...
Oh, família escuta agora... escuta!!! Você não é o mundo e nem a verdade absoluta, existe o tempo lá fora... há flores que nunca vingam e anjos que caem do céu...
Coisa ardente é tocar a noite dentro da mente, é andar à noite, é transar em um beco qualquer ou em um bosque mesmo no frio... coisa bela é ter como lar a terra inteira e o céu por teto...
Estou indo ali, depois retorno... não me espere.
Irei andar pelas nuvens... voltar ao caos
trazer uma das formas de beleza...
# Walter Sarça
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Muitas pessoas não querem alegria, querem uma conta gorda. A garantia de um ceuzinho de 100 reais a hora. Não sabem a direção do corpo, têm uma idéia de carne e consumo, e de férias e aposentadoria também. Preferem 40 horas, porque terão mais dinheiro, inclusive para gastar com química e tratamentos. Para estas pessoas o amor não é artigo de primeira necessidade, mas de terceira, como a arte e o pensamento. Ficam barrigudas e desanimadas. A TV, esse deus exigente, basta para lhes bancar o contato com o mundo.
Ao diabo com suas opiniões. Não penso que estão errados, afinal o mundo é mundos. Mesmo assim, não é por aí que ando. Estou com os loucos, sim, com eles, os amados de Deus. Estou com os que caminham à beira do abismo, com os que saltam... Não vou ficar administrando cinco ou seis cabeças para ser um modelo. Nenhuma família deveria ser modelo para outra família. Família, prepotência, berço da sociedade.
Olhe para si! Síntese do universo. Sei que verá apenas o que quer ver, mas continue olhado, você não é tão belo, nem auto-suficiente... Olhe para os lados, o outro ou o mundo oferecem perigo? Já experimentou sair sozinho a noite? Não é pior que um terremoto, e terremotos estão na moda, e você é mundo também, e é outro para alguém.
Já experimentou o batuque dos sentimentos? O soul da interação? Se ousar, experimente. Seja uma respiração e um olhar novos, seja uma aventura para si mesmo. A vida é. Medo da noite? A brisa está lá, é lá que estão as estrelas...
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A SECO
A ânsia por ser normal torna as pessoas impotentes ao gozo, à vida. Apenas um passar sério demais... Que necessita que outras pessoas armem a jogada, realizem a cena, comam o uva mais doce... E assim a vida vai passando num carrinho de compras.
O nu travestido na pele de um anjo que nem sequer anda, e muito menos voa ou se masturba... O desejo trancado no sotão, querendo saltar pela janela, morrer de uma vez, ou então gritar no meio da pista, antes de ser esmagado por um motorista mal humorado.
Mentiras, medos, arrepios de mais medo ainda, e os gemidos rápidos demais, frios de mais para valerem sequer uma taça de vinho...
O grande gozo é uma utopia. Que importa? quem disse que a realidade é real? O grande gozo é um pássaro sobre o abismo. Não tem a ver com a morte, mas com Vida, que inevitavelmente é composta de ínfimas mortes.
Aquele que se veste de seriedade acaba por se tornar uma alforja!
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A pedra, barco ou lua sonha em escrever para o futuro. Em escrever uma carta exatamente para o futuro. Acertar no peito do futuro. Uma carta que possa mostrar o quanto se pode ver à frente... O quanto se pode saber o caminho, enquanto outras pedras, barcos ou luas sequer supõem haver um caminho.
Agora já não sonha, a pedra. Escreve a carta, envia a carta, recebe, lê, chora e se arrepia dos pés à cabeça por ter acreditado na aposta. Por estar inteiro enquanto o passado aparece. O futuro não acreditaria, se a pedra, barco ou lua não tivesse escrito, pintado, esculpido, filmado. Um olho de longo alcance. Uma prece ou cantiga que esvaziou o pote de encantos... Desta vez chove! E chuva é bicho! É Coisa. Ela sonha cantar seu canto de águas...
Enquanto o barco ou pedra escreve sua carta de amor para o futuro, muitos acumulam livros, experiências, currículos, contatos, horas extras, eventos. Enquanto muitos bebericam a água da fonte, acertam o resultado da partida, secam o pote, o futuro simplesmente olha. Seu estranho olhar de tempo.
Ou apara os pelos do suvaco. O tempo come uma criança e vomita um homem. Engole um morto e arrota mil, não, mil não, cem mil homens feitos. Às vezes, de dentro de uma transa, guerra, palco ou igreja saltam tigres, palavras e serpentes. Saqueiam cidades, estupram anjos e tartarugas, estragam festas, vinhos e penteados. O futuro até lê estas coisas, mas segue doido, desatento.
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