Para se realizar algo que valha a pena o artista tem de voltar a ser criança, voltar a acreditar na "realidade" dos sonhos, levando a brincadeira tão a sério, que esta passe a preencher a imensidão. É esta a grande busca desta obra, que além do trabalho com arquétipos, envolve o desencadeamento de energias caóticas para que possam ser não simplesmente lidas, mas percebidos, como geradoras de sentidos, como parte da vida cotidiana. #Walter Sarça
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Antão suporta seu destino com paciência e carrega o bastão do andarilho, do Eremita. Ele representa o caminhar descuidado do individuo em direção à totalidade, incitado por seus sonhos, esperanças e medos, e pelo peso do passado. Imagem de uma experiência à beira do caos, da qual não o intelecto, mas a fé e a confiança podem nos ajudar. Ele indica que as preocupações terrenas são todas precárias. Ele abandona a segurança e penetra nos espaços em que ninguém ousa percorrer. Enfim, é a história do Louco. Neste caso, blasfemo ou fanático. Um homem determinado e absurdo, que representa a luta dos oprimidos, daqueles que, encontrando um inferno similar ao inferno inventado pelo cristianismo, está sobre a terra com o propósito único de servir às forças seculares do enfeitiçamento de que nos fala Antonin Artaud.
A “santidade” de Antônio Vicente Mendes Maciel, Antônio Conselheiro de alcunha, se dá por vias errôneas. Brasileiro primitivo, das bandas do fim do mundo, para além do Nordeste e do micróbio. Com sua vestimenta de ferro, árduo, solar como um Cristo sem fama que se assemelhe ao Jesus que veio europeizado, profetiza as desgraças causadas não somente pela queda do Império, mas também mística dos tempos remotos. Denuncia o afastamento das coisas para longe dos olhos de deus, um deus sofrego sem dúvida, mas generoso que oferece um futuro surrealmente agreste.
O Teocentrismo de Antão é um estado onírico ou psicótico. Ele enxerga uma Sombra a projeta para os fiéis, amantes do “cinema”. Um cinema sem os apetrechos de Edson ou dos Lumière. Esse é o estado que procuramos reproduzir na Performance Folia de Antão. Não de forma sã, consciente, onde a técnica e o belo se sobreponham ao transe e ao descomunal, mas como xamãs, palhaços psicóticos que estão ali para continuar sua trajetória nos sonhos... Saídos do sonho a ele retornam, sem resolver a charada da dor ou da angústia humana. Cantando com os cães famintos, os bêbados, os crentes-não-se-sabe-em-quê, com as crianças catarrentas, pobres com beribéri, benzedeiras ossudas, poetas fracassados, suicidas, fanáticos, prostitutas, assassinos e mortos que não podem ser enterrados, enfim, com seres, coisas e situações que são elementos, inspiração para a dança das trevas, deste Butô dos sertões. Os performers de Antão são esses mortos que dançam, são assassinados e ressuscitam a cada apresentação. Dizendo, absurdamente, que o sertão vai virar mar, e que o mar vai virar sertão, quando na verdade querem dizer “Talvez”. O Antônio Antônio nos interessa não como personagem, mas como Arquétipo, entidade mítica. A ser lembrado como Adão Kadmon, mas “salvando” seus filhos ao inverso. Não é a dor o que nos vislumbra, mas o non sense da existência quando se trata de política e religião.
Para contar essa história de sonho, a técnica abordada é a da libertação das técnicas ou um ter todas as técnicas que funcionem naquele momento. Não é a complicação teórica o que buscamos, mas a simplicidade, “o último grau da arte e começo da natureza...”. Assim, transitamos pelo universo do teatro da crueldade, do teatro do pobre, pelo espaço vazio ou porta aberta, pela linguagem da performance, pelo expressionismo, e pelo imaginário e poética do folclore brasileiro, criando um híbrido entre a miséria e a gargalhada, entre o peido e a eternidade - não pretendemos salvar ou condenar... Não se trata de dar respostas ou soluções. Apenas buscar, relembrar, sugerir. Criar uma trilha entre o Nordeste e o Egito ou quem sabe zombar um pouco da dor, do peso nas costas e da incapacidade que temos de gerir a vida, seja através do poder seja através do anseio por liberdade. #Walter Sarça
O solo Pau-Brasil Work in Progress remonta aos antecedentes do nosso imaginário, quando os fantasmas, espíritos xamânicos andavam a solta. O poeta perpassa por caminhos africanos, europeus e do que chamamos de Brasil. Realiza uma colagem epifanica para mostrar o quanto de nossa loucura é o que temos de melhor, não enquanto nação, mas enquanto humanos que, imersos no imaginário temos árvores de mistério e magia. Espécie de tecnologia desprezada por deterministas e materialistas, mas não por seres de carne, osso, coração e mente que atravessam o abismo a cada noite para encontrar o sentido, seja ele qual for, pois se trata de algo pessoal, quase sempre.
Este Pau-Brasil é o de Oswald, Mário e Bopp, mas também de todos os construtores de estradas que levam ao palácio do altíssimo mundo da criação: músicos, poetas, artistas visuais, performers, atores, cineastas, mágicos, loucos, inquietos.
O espetáculo, que transita entre oralidade, teatro, música e vídeo é um chamado à nossas origens, bem como à nossa diversidade. Pretende ser o que é: uma criação extática de cultura, que pode levar no claro ao escuro, do fogo à água, do amor à revolta e por fim silenciar como uma cicatriz que lembra a aventura de ser brasileiro, mas também de ser uma espécie de alienígena imerso em um mundo lógico, mas principalmente louco - anjo torto do universo. #Walter Sarça
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A Oficina Montagem A Árvore do Mundo, surge no Gama – DF, idealizada por Walter Sarça. Tem como princípio o pensamento de Antonin Artaud, Mircea Eliade, Fritjof Capra & o Simbolismo da Árvore Cósmica - protótipo que se encontra no centro do universo - enquanto referência ao processo criativo, criação do mundo, da consciência e das formas culturais. O projeto se insere no contexto de parte ativa da Teia da Vida. Tem como princípio também as Histórias Sagradas - modalidades de narrativa que tem a capacidade de falar de nós mesmos, e assim, transformar-nos, vinculando-nos aos semelhantes, presentes ou antepassados.Tem o objetivo é possibilitar a composição de partituras individuais e coletivas, material gerador de mensagens emergentes. Prioriza os procedimentos criativos da cena processual, a criatividade e a investigação corporal. Propõe um trabalho contemporâneo de pulsação, devir, confluência, narrativas simultâneas e onirismo. Em nosso estudo propomos o encontro atemporal. Alteração de noções tempo-espaciais. Essa concepção de trabalho é justificada pela nova ciência, pelo paradoxo, pela perplexidade e pela contemporaneidade, que contempla o re-combo, a colagem, a fusão, a diluição de gêneros e as alternâncias de fluxos sêmicos.
Baseada no teatro “sagrado” - Antonin Artaud, Grotowski, Eugenio Barba, Peter Brook, Kazuo Ohno, Mark Olsen, Lume - a pesquisa é uma abordagem das "técnicas" do teatro de Cultura(s). Utilizamos elementos das manifestações folclóricas , poéticas e do Work in Progress/colagem – que é a idéia da cena em processo, articulada por operadores que incorporam o acaso, a epifania, a narrativa hipertextual.
São focados diversos procedimentos: composição corporal, caos, processos de sintaxe, mitologização, hibridização, alusão, paisagens mentais, narratividade. O objetivo da oficina é que cada participante emerja na Criação de Cultura Extática e perceba o processo como uma organização auto-renovável continua.
É uma Obra Aberta onde, através de jogos, treinamento, leitura, análise de narrativas, matrizes, partituras e improviso tem como missão criar sinergia e magia, transcendendo o fazer teatral psicológico e enquanto esfera do jogo de consumo/sociedade do espetáculo. A pesquisação é auto-pesquisa, pesquisa da alteridade, do meio e construção do respeito pela subjetividade/diversidade. Cada participante é um manancial de experiências e possibilidades ao qual são proporcionadas ferramentas pra o transito, deformações, transformações e multiplicações em redes colaborativas. Expandindo assim a conexão com a Teia a partir do “Centro do Mundo” que, mesmo correndo o risco de não estar em parte alguma, é o único lugar onde o ser de fato É. #Walter Sarça