quarta-feira

PERFORMANCES & OFICINA

JARDIM DAS DELÍCIAS Work in Progress

A Performance/colagem Jardim das Delícias remete ao onírico através de um passeio pelos jardins de Bosch, Blake, Gibran, Eliot, Whitman e Kazuo Ohno, sendo que estes jardins amalgamam o belo e o grotesco, monstros e aves, crianças, alegrias e mistérios. O bardo conta que o Jardim do Amor está contaminado, que a corrupção em forma de lei ou regra moral o tornou um lugar desalmado, frio, doente... O bardo é prisioneiro, mas vai romper os grilhões. É um pássaro... e sobrevoa o jardim – voar é sua invenção e prazer recém-criado... Mas toda trilha requer tormentos, idas ao inferno... O performer o faz, porém, por uma via de prazer e autoconhecimento. De abandono ao sofrimento, leis e castigos. O que não significa que não precisa a cada instante reaprender o riso – a rir de si mesmo, da vida, das coisas, dos seres e da morte. O Vratia, cego, bobo transita pelo mundo mental. Através do NU-AT (elevação) o performer desencadeia forças subconscientes, elementos inerentes ao rito... É a partir desse mergulho que ele entrega a sua parte, ou seja, uma parcela da Criação Extática de Cultura, que se manifesta através de elementos do xamanismo, das visões, da feminilidade e da dança. Como as demais, esta obra aberta/work in progress pode ocorrer em lugares os mais diversos, ofertando momentos de encantamento e estranheza; interagindo com crianças e velhos, mulheres, homens e outros animais. É uma obra que trata de manifestações primitivas, comprovando que estamos interligados aos nossos ancestrais bem mais do que muitos gostariam de admitir conscientemente.

Para se realizar algo que valha a pena o artista tem de voltar a ser criança, voltar a acreditar na "realidade" dos sonhos, levando a brincadeira tão a sério, que esta passe a preencher a imensidão. É esta a grande busca desta obra, que além do trabalho com arquétipos, envolve o desencadeamento de energias caóticas para que possam ser não simplesmente lidas, mas percebidos, como geradoras de sentidos, como parte da vida cotidiana. #Walter Sarça

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FOLIA DE ANTÃO Work in Progress

Antão suporta seu destino com paciência e carrega o bastão do andarilho, do Eremita. Ele representa o caminhar descuidado do individuo em direção à totalidade, incitado por seus sonhos, esperanças e medos, e pelo peso do passado. Imagem de uma experiência à beira do caos, da qual não o intelecto, mas a fé e a confiança podem nos ajudar. Ele indica que as preocupações terrenas são todas precárias. Ele abandona a segurança e penetra nos espaços em que ninguém ousa percorrer. Enfim, é a história do Louco. Neste caso, blasfemo ou fanático. Um homem determinado e absurdo, que representa a luta dos oprimidos, daqueles que, encontrando um inferno similar ao inferno inventado pelo cristianismo, está sobre a terra com o propósito único de servir às forças seculares do enfeitiçamento de que nos fala Antonin Artaud.

A “santidade” de Antônio Vicente Mendes Maciel, Antônio Conselheiro de alcunha, se dá por vias errôneas. Brasileiro primitivo, das bandas do fim do mundo, para além do Nordeste e do micróbio. Com sua vestimenta de ferro, árduo, solar como um Cristo sem fama que se assemelhe ao Jesus que veio europeizado, profetiza as desgraças causadas não somente pela queda do Império, mas também mística dos tempos remotos. Denuncia o afastamento das coisas para longe dos olhos de deus, um deus sofrego sem dúvida, mas generoso que oferece um futuro surrealmente agreste.

O Teocentrismo de Antão é um estado onírico ou psicótico. Ele enxerga uma Sombra a projeta para os fiéis, amantes do “cinema”. Um cinema sem os apetrechos de Edson ou dos Lumière. Esse é o estado que procuramos reproduzir na Performance Folia de Antão. Não de forma sã, consciente, onde a técnica e o belo se sobreponham ao transe e ao descomunal, mas como xamãs, palhaços psicóticos que estão ali para continuar sua trajetória nos sonhos... Saídos do sonho a ele retornam, sem resolver a charada da dor ou da angústia humana. Cantando com os cães famintos, os bêbados, os crentes-não-se-sabe-em-quê, com as crianças catarrentas, pobres com beribéri, benzedeiras ossudas, poetas fracassados, suicidas, fanáticos, prostitutas, assassinos e mortos que não podem ser enterrados, enfim, com seres, coisas e situações que são elementos, inspiração para a dança das trevas, deste Butô dos sertões. Os performers de Antão são esses mortos que dançam, são assassinados e ressuscitam a cada apresentação. Dizendo, absurdamente, que o sertão vai virar mar, e que o mar vai virar sertão, quando na verdade querem dizer “Talvez”. O Antônio Antônio nos interessa não como personagem, mas como Arquétipo, entidade mítica. A ser lembrado como Adão Kadmon, mas “salvando” seus filhos ao inverso. Não é a dor o que nos vislumbra, mas o non sense da existência quando se trata de política e religião.

Para contar essa história de sonho, a técnica abordada é a da libertação das técnicas ou um ter todas as técnicas que funcionem naquele momento. Não é a complicação teórica o que buscamos, mas a simplicidade, “o último grau da arte e começo da natureza...”. Assim, transitamos pelo universo do teatro da crueldade, do teatro do pobre, pelo espaço vazio ou porta aberta, pela linguagem da performance, pelo expressionismo, e pelo imaginário e poética do folclore brasileiro, criando um híbrido entre a miséria e a gargalhada, entre o peido e a eternidade - não pretendemos salvar ou condenar... Não se trata de dar respostas ou soluções. Apenas buscar, relembrar, sugerir. Criar uma trilha entre o Nordeste e o Egito ou quem sabe zombar um pouco da dor, do peso nas costas e da incapacidade que temos de gerir a vida, seja através do poder seja através do anseio por liberdade. #Walter Sarça

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PAU BRASIL Work in Progress

O solo Pau-Brasil Work in Progress remonta aos antecedentes do nosso imaginário, quando os fantasmas, espíritos xamânicos andavam a solta. O poeta perpassa por caminhos africanos, europeus e do que chamamos de Brasil. Realiza uma colagem epifanica para mostrar o quanto de nossa loucura é o que temos de melhor, não enquanto nação, mas enquanto humanos que, imersos no imaginário temos árvores de mistério e magia. Espécie de tecnologia desprezada por deterministas e materialistas, mas não por seres de carne, osso, coração e mente que atravessam o abismo a cada noite para encontrar o sentido, seja ele qual for, pois se trata de algo pessoal, quase sempre.

Este Pau-Brasil é o de Oswald, Mário e Bopp, mas também de todos os construtores de estradas que levam ao palácio do altíssimo mundo da criação: músicos, poetas, artistas visuais, performers, atores, cineastas, mágicos, loucos, inquietos.

O espetáculo, que transita entre oralidade, teatro, música e vídeo é um chamado à nossas origens, bem como à nossa diversidade. Pretende ser o que é: uma criação extática de cultura, que pode levar no claro ao escuro, do fogo à água, do amor à revolta e por fim silenciar como uma cicatriz que lembra a aventura de ser brasileiro, mas também de ser uma espécie de alienígena imerso em um mundo lógico, mas principalmente louco - anjo torto do universo. #Walter Sarça

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A Oficina Montagem A Árvore do Mundo, surge no Gama – DF, idealizada por Walter Sarça. Tem como princípio o pensamento de Antonin Artaud, Mircea Eliade, Fritjof Capra & o Simbolismo da Árvore Cósmica - protótipo que se encontra no centro do universo - enquanto referência ao processo criativo, criação do mundo, da consciência e das formas culturais. O projeto se insere no contexto de parte ativa da Teia da Vida. Tem como princípio também as Histórias Sagradas - modalidades de narrativa que tem a capacidade de falar de nós mesmos, e assim, transformar-nos, vinculando-nos aos semelhantes, presentes ou antepassados.

Tem o objetivo é possibilitar a composição de partituras individuais e coletivas, material gerador de mensagens emergentes. Prioriza os procedimentos criativos da cena processual, a criatividade e a investigação corporal. Propõe um trabalho contemporâneo de pulsação, devir, confluência, narrativas simultâneas e onirismo. Em nosso estudo propomos o encontro atemporal. Alteração de noções tempo-espaciais. Essa concepção de trabalho é justificada pela nova ciência, pelo paradoxo, pela perplexidade e pela contemporaneidade, que contempla o re-combo, a colagem, a fusão, a diluição de gêneros e as alternâncias de fluxos sêmicos.

Baseada no teatro “sagrado” - Antonin Artaud, Grotowski, Eugenio Barba, Peter Brook, Kazuo Ohno, Mark Olsen, Lume - a pesquisa é uma abordagem das "técnicas" do teatro de Cultura(s). Utilizamos elementos das manifestações folclóricas , poéticas e do Work in Progress/colagem – que é a idéia da cena em processo, articulada por operadores que incorporam o acaso, a epifania, a narrativa hipertextual.

São focados diversos procedimentos: composição corporal, caos, processos de sintaxe, mitologização, hibridização, alusão, paisagens mentais, narratividade. O objetivo da oficina é que cada participante emerja na Criação de Cultura Extática e perceba o processo como uma organização auto-renovável continua.

É uma Obra Aberta onde, através de jogos, treinamento, leitura, análise de narrativas, matrizes, partituras e improviso tem como missão criar sinergia e magia, transcendendo o fazer teatral psicológico e enquanto esfera do jogo de consumo/sociedade do espetáculo. A pesquisação é auto-pesquisa, pesquisa da alteridade, do meio e construção do respeito pela subjetividade/diversidade. Cada participante é um manancial de experiências e possibilidades ao qual são proporcionadas ferramentas pra o transito, deformações, transformações e multiplicações em redes colaborativas. Expandindo assim a conexão com a Teia a partir do “Centro do Mundo” que, mesmo correndo o risco de não estar em parte alguma, é o único lugar onde o ser de fato É. #Walter Sarça

sexta-feira

POESIA E PROSA

CASCAS QUEBRADAS

tomei nas mãos o poeta e disse-lhe "Construa uma casa!"
e ele me mostrou as estrelas, as árvores, as montanhas, o mar...
eu chorei!

bebi do mar, e fiquei com mais sede
comi estrelas, e morei dentro das árvores...

agora estou aqui,
o poeta tornou-se velho, folha, criança
um grande amigo de olhos atentos,
e brinca nos meus ombros, descansa em meus ouvidos.

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as manhãs mais frias são aquelas em que acordo tarde
aquelas em que não rego as plantas, em que não recebo o céu!
os planetas pesam todos sobre mim
as mulheres me ignoram e os anjos urinam na minha cabeça.
tremo pelas ruas, entre homens elefantes e mulheres barbadas.

sei das manhãs quentes também, de súbito as vezes.
nesses dias sou pássaro, uma pedra, um olho
e os acontecimentos se despem e somem do nada.
roubo um punhado de doces de suas vitrines
e distribuo entre os mortos no cio...

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a vela no escuro, gritando com sombras,
dizendo em silêncio seu sangue de vela.

tome uma gota de sol ao por do sol

mas dependendo da quantidade de pulgas,
melhor ir andando pelo corpo.
anda logo!

vá andando pelo corpo, suba na cabeça
e pula...

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Primeiro perdi o chão. Depois, molhado por líquido espesso, um leite de terra, menstruação ou baba, reencontrei o chão, e é relva... Asas coladas no peito. Nas costas não, no peito. Coisa grotesca, um livro em que não se distingue as letras. Foi assim que voei. Agora o coração, um punhal enfiado, sangra! Sangra pois, mostra sangue aos que não sangram.

Um óvulo, de alguma maneira é peixe, árvore ou pedra. Percebi vida na vasilha com água, sempre a água. Minha vida veio quando ouvi as estrelas, eu tinha nove anos, e dormia em um beco. Depois o escuro passou a ser um pai, e o sol a minha mãe, que me embala entre árvores secas. Vi no olhar humano o mesmo olhar de um tigre, de uma lebre.

Aprendi a voar para receber sensações como as que recebem as folhas, mas esse sonho de folha me custa caro, que importa? Não sei se o vento me leva ou se na poça sucumbo.

O belo nisso tudo é esse deslizar no escuro...

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Destilo o trago no próprio gole... os venenos, como me seduzem... aqueles que brotam das entranhas. provavelmente nem sejam venenos, embora muitos morrem ao sorvê-los. eu diria, com toda a minha magreza, que estes venenos me deixam mais endiabrado. é isto, eu começo a sentir a exata medida de um gole, seja de loucura, devaneio, erotismo ou virtude... e quero beber, solitário às vezes, com mil seres encantados ou imaginários outras... e cantar em meio à multidão surda, ou no quarto quietinho, posição fetal... preparado para explodir, sem direção, levando um mundo nos bolsos, e uma árvore florida nos olhos.

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Quando as pedras rolam, não se ressentem. Já os humanos querem sempre o privilégio de não sofrer. Tudo com o outro, comigo, nada. Que lixo, o mundo é para todos. A dor é injusta? A alegria? Em verdade (oh mentiras) eu vos digo, a dor ou o prazer são da vida. A vida é da morte, a morte é da vida. Dualismos (cansaço!). Há jogos no mundo... De poder, amor, poesia... Jogos... Ganhos e perdas. Amizade, amor, sexo, inimizade, canibalismo. O Mundo não se fundamenta na segurança, o mundo está caíndo, não apenas girando, mas caíndo, subindo, expandindo, encolhendo...Vejo as vibrações do mundo. A fornicação de tudo. A pele macia, o pus expelido... Cada homem e mulher é um universo, e o universo não se importa.

Aceite a tua dor, tristeza, vazio, feiúra, alegria, beleza, plenitude... E saiba que não são teus... são a própria pedra, o pó ao vento...
#Sarça


# Sarça

PROSA POÉTICA

ENCONTROS COM O GÊNIO POÉTICO

Passo horas vagando em um tempo e espaço dilatados, não sei se no passado ou no futuro, sinto-os agora, neste exato instante. E isto me basta. Sei que é inaceitável para a sociedade que um homem ou mulher que se considere são passe horas vagando em seu mundo interno, sei que é mais facil considera-los loucos, por se entregarem a um "espaço vazio". Mas este espaço, esta "meditação", é uma grande via. É um portal raríssimo do imaginário, museu de todas imagens. Um portal para a consquista do eu, ou sua perda absoluta, mas principalmente para a percepção clara de outros mundos e linguagens, de outros seres e universos.

Não abro mão dessa entrega ao vazio, pois vejo que a sociedade, não tendo tempo para "futilidades", alimenta o desejo monstruoso de controlar a realidade. Correndo cada dia mais para o abismo. Esta realidade não raras vezes estúpida e terrível, não passa de um um conjunto de imagens, que antes de serem uma verdade absoluta, são apenas crenças, invensões, virtualidades soltas na vida como animais selvagens. Virtualidades interpretadas e projetadas por cada homem e mulher que cria o mundo. Tendo como princípio a imaginação, o devaneio, seja ele doentil, por raramente mergulhar em si mesmo, ou poético por estar voltado, estética e ativamente para o si e para o mundo.
#walter sarça

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RETORNO À NATUREZA



Há um banhar-se nas águas da vida, na fonte... Subir a montanha, dançar ao luar... Em torno de uma fogueira, ao som das canções do amor... Tanta leveza não cabe em toda parte. Não se chega ao céu clamando no deserto, nem se alcança a cura fingindo ser são. Sim estamos doentes, e nossa doença é a falta de prazer, é o medo e a culpa impostos justamente pelos que acreditam serem donos da verdade. Dizendo que o corpo é sujo e a alma é pura. Que seremos condenados ao sofrimento por seguirmos nossas energias, as sensações do corpo, do sexo e da poesia.

Há um banhar-se na chuva, sentir a liberdade momentânea que indica uma realidade maior. Sentir na face a beleza do instante, as gotas leves que caem das nuvens pesadas... O céu é aqui, na respiração... Inspiração, expiração... Céu... No escuro principia a luz... Dali surge as coisas, as danças, fascínios, surpresas, maravilhas... A claridade é um desejo chamando risos.

Tempo, conte-nos uma história. Você que assombra com a sua inexistência, você que conhece todas as coisas... Conte-nos sobre o instante. Nada de passado ou futuro. Estamos livres aqui neste instante de toques, e cantos e palmas... Sim, mais palmas e cantos e toques... Poema e vinho, beijos, desejos, alegria, e o fogo e o ar, e terra e a água... A ciranda dos brincantes... Há um voar, se chovem estrelas. Um iniciar-se no sonho, um sonhar com livros... Há a chama da vela, e a fogueira que arde, sim há prazer e cura, há alegria e descanso...

Nada levamos, e nada queremos levar. E mesmo assim temos tudo, cada coisa em seu lugar... Bem vinda a saúde e bem vinda a doença... Nenhum desespero porém, nem ato desesperado. Nada de estilos de vida, somente vida. Não há motivos para chorar, para bajular a sabedoria e o espírito, nem para invejar o dinheiro ou a beleza... É simples e natural, como aprender a andar... Como andar e cair... Ou como voar, para alguns...

Um rio corre... Já não é o mesmo rio, inominável rio. Fogo! O fluir natural dos sonhos e realidades... Juntos, amantes e irmãos! Eu os convido, venham à natureza, à leveza dionisíaca. Nada trágico agora, tudo simples, o amor e o sexo, o alimento e o esquecimento. Afastados das buzinas e roncos, dos lamentos e lágrimas... Distantes da fumaça e da pressa, dos terrores e cenas. Apenas uma canção seguida de outras...

Palmas para a vida! Ciranda de alegria... Nudez e calor, fogueira de sonhos, risos e êxtase. Não há mais diferença entre vida e arte, são amantes de corpos suados, e beijos molhados... Eia! Cambalhotas... Hereges, profanos... Dançarinos da terra... Frutos da terra, sementes, árvores e estrelas... Não há pecado nem culpa. O amor desfaz o medo, o amor é uma criança...

Eis o convite, estou aqui, e em toda parte... Um sossego que quer partir... Uma partida que descansa... Esse convite é para todos, mas a montanha sabe a quem receber... Os pesados e covardes, os falsos e malvados ficarão de fora, não suportarão tanta alegria, tanta beleza e mistério... Enfim passarão os dias, e os dias findarão do nada... Eles vieram do nada, do caos, do vazio... Todos poderão ver ainda os raios do sol... Nem todos irão reparar o quanto são os raios do sol, do sol e das estrelas... Mas assim é a vida, desde a fecundação... As bactérias se multiplicam, as coisas surgem, e mudam a cada instante... Do triste surge a alegria, mas como? Através da dança... Da poesia. Há uma poesia no ar, ela está na vida, na cusparada e no vômito, nas pichações e socos na cara, mas principalmente no silêncio, nos olhares, e sexos vibrando de desejo...

Há poesia... Só os poetas se vão. Mas retornam... Eles conhecem o passado e o futuro, mas se desvencilham cada vez mais de argumentos e teorias. Buscam a liberdade do dançarino e do andarilho... Querem suas dores também, seu desnudamento... São eles quem dizem: Há um banhar-se nas águas da vida, na fonte... Subir a montanha, dançar ao luar... Em torno de uma fogueira, ao som das canções do amor...
# walter sarça

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ARCANO ZERO

Solto os cavalos e eles rodopiam no redemoinho... Cavalos no ar, em seus olhos museus. Saboreio o bolo encantado de cada momento. Tenho ainda varias ruas para devanear... Que se aborreçam os vendedores de portas, as balconistas com riso forçado, os homens sérios e estressados de gabinete. Não tenho agora como sentir a dor do mundo, pois o mundo esquece de dançar ao som dos pássaros e do vento nas folhas. Que se aborreçam! Devo parecer inconseqüente, mas toda a física moderna é inconsequente. Me divirto, estou sapateando no sonho, em meu breve mundo que não é de plástico. Meu único trabalho é o riso. Não sei outra forma de ganhar a vida. Sou um palhaço passeando de bicicleta e dizendo olá para as flores.

Como não pensar em arte? Estou leve, ainda posso voar! Por vezes um sorvete me basta! Sinto fome sim, mas não vendo a alma. Quero mais do bolo. Uma camada de prazer, uma camada ainda de desprendimento. Não me culpem por isso, tenho a minha medida, e passeio largo por ela. Não estourem comigo, não precisam se ocupar, eu me demito! Os sinos tocam por mim, mas já estou burlando o tédio com uma nova dança. Verdadeiramente louco. Inútil, irresponsável, enfim, vivo e alegre! A sociedade não haveria de me perdoar, não fosse eu um antídoto. Que importa não saibam, estou contente. Tenho um bom apetite e brinco com meus poetas favoritos e com minhas irmãs por entre becos ou à luz de velas...
#walter sarça

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OS RUMOS DO TEMPO

Perfuro as camadas do tempo, vejo adiante e na memória secular, que tudo acontece aqui. Neste exato corpo, e na nuvem que adentra o corpo. Neste bosque de sonhos, e na cidade inteira, com seus lamentos, pressa, filhos e filhas, homens comuns, mulheres comuns, árvores, às quais o vento acarícia ou derruba. Nos pedestres, ciclistas, automóveis que avançam e afastam-se, e são sempre outros. Perfuro o tempo através de um buraco de minhoca, vejo que o sol e a lua estão dançando em harmonia, que a morte e a vida, estão dançando em harmonia, e que o suor e o descanso estão dançando em harmonia. Um tempo de medo, outro de ousadia, um tempo de contemplação e outro de ação, e entre eles o beijo dos amantes, a chuva que cai, o sexo, os ponteiros do relógio, os raios do sol na janela, as traições, as paixões, os pesadelos e sonhos, os devaneios e lutas.

Tudo no tempo, e nada no tempo, no ontem, o amanha e o agora; e no agora, o ontem e o depois. Nada falta se o amor está completo, e nada falta se ódio também está completo. Entre os becos os rastros de todos os outros becos; em cada vereda átomos de todas as veredas. O corpo morto e o da criança que nasce. Tudo caminha para si mesmo, o passado caminha para si mesmo e para o agora, e o futuro caminha para si mesmo e para o peito do agora... Uma nuvem que passa. Uma pedra que esconde todas as pedras, um grão de areia que esconde galáxias inteiras.

Perfuro as camadas do tempo e prossigo, tão presente que nada falta. Entre homens e mulheres presentes realizo o encontro. Adentro seus olhos e suas carnes, e sou seus olhos e suas carnes, frívolo e consistente, estou onde estou, em toda parte.

#Walter Sarça


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O CANTO DAS PRIMEIRAS DELÍCIAS

o sublime em mim é você, com sua voz e seu perfume, com seu canto de delícias. São tuas as noites que guardo para o amor. E para você ergo esta taça. Seja homem ou mulher, você é deus, ao qual vislumbro o olhar. Nem leve demais nem pesado, apenas ser, água, fogo, pássaro a cantar quando o sol bate à janela.

o encanto todo está em teus gestos, no vento fresco a soprar tuas pupilas, e em tua força, tua raiva, teu desespero. Tudo em você sou eu. E tudo em você brilha na noite em que vagueio...

você é vinho e é água, é fome e banquete. Com você estou alegre, e protegido e livre. Por você vagueio de cidade em cidade, à tua procura, mesmo estando a teu lado. Sempre te perco e te reencontro, amado ou amada, sempre canto e danço contigo.
# walter sarça

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Oh, FAMÍLIA

Outra família começou a ser dizimada. Primeiro o caçula, depois o irmão mais velho, a avó e agora a irmã tímida, mas vaidosa. “Lacaios do amor”... quai são as novas? O que estão calculado desta vez? Tudo bem eu abaixo o volume, alías eu não gostava mesmo desta canção... acabaram as discussões e os esforços... Quantas vezes dançaram juntos? Quantas vezes brindaram sem que fosse natal ou outras datas idiotas? Quantos piqueniques fizeram sob árvores alegres e nuas? Desligaram a TV finalmente?
Em um instante de delírio acreditaram no amor? Um amor para além da família... um amor que escorra pelas brechas da casa e invada as casas vizinhas... que invada a rua, os supermercados da ilusão...

Oh, família escuta agora... escuta!!! Você não é o mundo e nem a verdade absoluta, existe o tempo lá fora... há flores que nunca vingam e anjos que caem do céu...
Coisa ardente é tocar a noite dentro da mente, é andar à noite, é transar em um beco qualquer ou em um bosque mesmo no frio... coisa bela é ter como lar a terra inteira e o céu por teto...

Estou indo ali, depois retorno... não me espere.
Irei andar pelas nuvens... voltar ao caos
trazer uma das formas de beleza...
# Walter Sarça

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Muitas pessoas não querem alegria, querem uma conta gorda. A garantia de um ceuzinho de 100 reais a hora. Não sabem a direção do corpo, têm uma idéia de carne e consumo, e de férias e aposentadoria também. Preferem 40 horas, porque terão mais dinheiro, inclusive para gastar com química e tratamentos. Para estas pessoas o amor não é artigo de primeira necessidade, mas de terceira, como a arte e o pensamento. Ficam barrigudas e desanimadas. A TV, esse deus exigente, basta para lhes bancar o contato com o mundo.

Ao diabo com suas opiniões. Não penso que estão errados, afinal o mundo é mundos. Mesmo assim, não é por aí que ando. Estou com os loucos, sim, com eles, os amados de Deus. Estou com os que caminham à beira do abismo, com os que saltam... Não vou ficar administrando cinco ou seis cabeças para ser um modelo. Nenhuma família deveria ser modelo para outra família. Família, prepotência, berço da sociedade.

Olhe para si! Síntese do universo. Sei que verá apenas o que quer ver, mas continue olhado, você não é tão belo, nem auto-suficiente... Olhe para os lados, o outro ou o mundo oferecem perigo? Já experimentou sair sozinho a noite? Não é pior que um terremoto, e terremotos estão na moda, e você é mundo também, e é outro para alguém.

Já experimentou o batuque dos sentimentos? O soul da interação? Se ousar, experimente. Seja uma respiração e um olhar novos, seja uma aventura para si mesmo. A vida é. Medo da noite? A brisa está lá, é lá que estão as estrelas...

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A SECO

A ânsia por ser normal torna as pessoas impotentes ao gozo, à vida. Apenas um passar sério demais... Que necessita que outras pessoas armem a jogada, realizem a cena, comam o uva mais doce... E assim a vida vai passando num carrinho de compras.

O nu travestido na pele de um anjo que nem sequer anda, e muito menos voa ou se masturba... O desejo trancado no sotão, querendo saltar pela janela, morrer de uma vez, ou então gritar no meio da pista, antes de ser esmagado por um motorista mal humorado.

Mentiras, medos, arrepios de mais medo ainda, e os gemidos rápidos demais, frios de mais para valerem sequer uma taça de vinho...

O grande gozo é uma utopia. Que importa? quem disse que a realidade é real? O grande gozo é um pássaro sobre o abismo. Não tem a ver com a morte, mas com Vida, que inevitavelmente é composta de ínfimas mortes.

Aquele que se veste de seriedade acaba por se tornar uma alforja!

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A pedra, barco ou lua sonha em escrever para o futuro. Em escrever uma carta exatamente para o futuro. Acertar no peito do futuro. Uma carta que possa mostrar o quanto se pode ver à frente... O quanto se pode saber o caminho, enquanto outras pedras, barcos ou luas sequer supõem haver um caminho.

Agora já não sonha, a pedra. Escreve a carta, envia a carta, recebe, lê, chora e se arrepia dos pés à cabeça por ter acreditado na aposta. Por estar inteiro enquanto o passado aparece. O futuro não acreditaria, se a pedra, barco ou lua não tivesse escrito, pintado, esculpido, filmado. Um olho de longo alcance. Uma prece ou cantiga que esvaziou o pote de encantos... Desta vez chove! E chuva é bicho! É Coisa. Ela sonha cantar seu canto de águas...

Enquanto o barco ou pedra escreve sua carta de amor para o futuro, muitos acumulam livros, experiências, currículos, contatos, horas extras, eventos. Enquanto muitos bebericam a água da fonte, acertam o resultado da partida, secam o pote, o futuro simplesmente olha. Seu estranho olhar de tempo.

Ou apara os pelos do suvaco. O tempo come uma criança e vomita um homem. Engole um morto e arrota mil, não, mil não, cem mil homens feitos. Às vezes, de dentro de uma transa, guerra, palco ou igreja saltam tigres, palavras e serpentes. Saqueiam cidades, estupram anjos e tartarugas, estragam festas, vinhos e penteados. O futuro até lê estas coisas, mas segue doido, desatento.

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segunda-feira

POESIA

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UM LUGAR AO SOL

Uma estrada estreita ou larga Clareada pela luz da lua...
Alegria de se perder, alegria simples de ir...
Passa a noite e passa o dia, o cheiro da vida no ar.
Na Natureza, como que por encanto, esverdear...
Fazer da grande casa comum, a mais bela casa do mundo
E dançar, plantar, colher... Na terra de infindo prazer...

Uma canção alegre ou triste Iluminada pela luz do sol...
Passam os dias, os sonhos, as pontes, os muros
A mente é pássaro escuro, vida e morte a querem.
Na Natureza ser tempestade e folha a deslizar...
Fazer da bela casa do mundo, um leve ninho suspenso
E aprender a voar, e voar...
#walter sarça

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BRISA


Há fogo em meus lábios, fogo de vinho antigo.
Há sonho no despertar, silêncio nos gritos.
Ando pela casa. Saio de casa. Vôo sobre o mar...
Estou só esta noite e aposto na tempestade!
Ébrio de paixão pelo perfume do tempo -
Ele é agora! Raio, sorriso e escândalo.
Tão sutil que me leva ao palácio dos prazeres.
E a um só tempo é vento e folha...

Derramo mistérios ao escrever na areia
E todo mistério se apaga na água do mar.
Vôo sobre o mar. Saio do mar, navego no vazio.
Não se fala sobre si mesmo quem fala de Amor.
Mas amor a quem merece. Há sangue em minhas mãos,
É meu próprio sangue, sacrifício!
Uma cidade brota onde havia tristeza
Uma cidade dançante, tão feérica que encolhe.

Ando pela cidade, sou as vestes da sombra.
Esqueço de mim e me torno o espectador.
Vejo-me através de centenas de olhos
A recitar versos de amor, desejo e loucura.
O derbak me acompanha e a flauta me acompanha.
Depois silêncio e nuvens, sou apenas o que entrego...
Fecho o livro e passeio pela relva ao entardecer
Alegria, devaneio e descanso...
# walter warça

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O FAVO DE MEL & AS ABELHAS

De escamas douradas a casca da serpente. Olhinhos mansos que empedram os descuidados. Anjos do céu brincam de mortos. Walter Sarça andando pela casa. E agora trocando de corpo...

Árvore de fogo. Escamas douradas.
Imaginação, teu castelo é de Pedras!

Amor, cheiro da terra... tapete para o Temporal.
O louco de Deus dança entre alfaces!
Matéria prima, salto quântico, pandemônio.
O amor já se foi? Já esteve?
O pó de alguns é pó de estrelas.

Dançam os mortos.
Centenas de celulares tocando ao mesmo tempo.
Crianças sozinhas. Motoristas estressados.
Um grão de areia perdido no Espaço.
Veias entupidas. Parada cardiaca.
Super-homem e Super-mulher da solidão.

Imaginação, a realidade é o teu preço!
Escamas douradas. Florestas em chamas.

Do rock sei quanto do rito.
Que agita minha carne e fortalece o meu espírito!
"Eu te amo" ela disse. Mas não saltou no vazio.
A música e suas chamas, os anjos e seus olvidos!

Contos de fada, contos de amor e morte.
Assim caminha a humanidade. Isto é a religião.
Mesmo uma máquina se estressa,
Nem sempre a vitória reza.

Baton, cigarro e poeira. Árvores que comem.
Escamas douradas. Olhinhos mansos
que empedram os descuidados.
Algumas moedas no bolso da maldade.
Outras tantas no bolso da estupidez.

O Dançarino incendeia a multidão
que esboça um passo desajeitado...
Assim começa a festa!
Você é o dançarino e a dança, etc etc.
Os mortos dançam e cansam,
Pois estão vivos também.
E eu danço e corro à mesa,
Outro pedaço do bolo.
#walter sarça

...

a vida é breve. não conta.
deixa pensarem que aqui
é a terra do faz de conta...

"o mundo todo é um palco"
com arquibancada e camarim
quem leva a sério demais a vida
torna este mudo pesado.

a vida é incerta, errada.
embora procurem o certo
ele é tortinho, atenção!
quem quer da vida certeza
constrói a própria prisão.

gira solto no ar
toma a aguardente da vida
ama, desama, volta a amar
corre nos campos e avenidas
grita!

dane-se a surdez do mundo.

dança a tua dança esquisita
e deixa
o palco pra outro ator
delirar.
#Walter Sarça

...

POEMA DE NINAR DOIDO

Ando a cavalo no escuro... Atravesso becos, flancos, tiros.
Nenhum me acerta. Caio morto, ou qualquer outro disfarce.
É Carnaval.
Não o carnaval cinzento que culmina em gelo
Mas a festa da carne e do espírito inteiro...

Ando a cavalo no escuro... Atravesso igrejas e puteiros.
O diabo sopra a casa. O teto não cai. Se cai, é chuva de estrelas.
É ciranda.
No teatro e na vida o ar é o mesmo
e o riso, um encantado brinquedo.

Roubado dos braços de mamãe eternidade
Só vejo as horas em relógios sem ponteiros ...

Na tarde incerta como e bebo o carnaval -
O caos é uma flor sambando no terreiro...
#walter sarça


Sossego

Noturno, saltitante
Estrelas no casaco, de diamante.
Ei-la viva! Quem? A morte?
Acendei um archote
e dançai!

Desequilibrados pelo mundo,
À beira do precipício, dançai!

Incêndio na floresta, incêndio na cidade.
Água podre, fonte seca.
Comemos e arrotamos a beleza!

Incrédulos, a barca está pronta...
Ó sono, ó mãos à garganta!

Desconstruir para criar, ser trevas, e brilhar...
Em um instante de delírio, amar.
E esquecer enfim que a vida,
é uma folha a deslizar...
# w. sarça

...


Há fogo em meus lábios, fogo de vinho antigo.
Há sonho no despertar, silêncio nos gritos.
Ando pela casa. Saio de casa. Vôo sobre o mar...
Estou só esta noite e aposto na tempestade!
Ébrio de paixão pelo perfume do tempo -
Ele é agora! Raio, sorriso e escândalo.
Tão sutil que me leva ao palácio dos prazeres.
E a um só tempo é vento e folha...

Derramo mistérios ao escrever na areia
E todo mistério se apaga na água do mar.
Vôo sobre o mar. Saio do mar, navego no vazio.
Não se fala sobre si mesmo quem fala de Amor.
Mas amor a quem merece. Há sangue em minhas mãos,
É meu próprio sangue, sacrifício!
Uma cidade brota onde havia tristeza
Uma cidade dançante, tão feérica que encolhe.

Ando pela cidade, sou as vestes da sombra.
Esqueço de mim e me torno o espectador.
Vejo-me através de centenas de olhos
A recitar versos de amor, desejo e loucura.
O derbak me acompanha e a flauta me acompanha.
Depois silêncio e nuvens, sou apenas o que entrego...
Fecho o livro e passeio pela relva ao entardecer
Alegria, devaneio e descanso...
# walter warça


...

HOMEM INVÍSIVEL

Com os braços abertos ele clama aos céus
Os anjos choram, pois não podem intervir.
Não é uma mulher a mais, mas sua alma
Ela agora está com outro
Sorrindo...

Nenhum deus pode intervir
Nenhum demônio, ou estrela.
É tão singular sua tristeza
Ele sabe que o sol é gelado
Sabe que as casas estão caindo...

Não tem mais sonhos ou desejos
Apenas um corpo, um casulo vazio.
Um cheiro podre de liberdade...
Ele sabe que a esperança
É uma folha deslizando no abismo...

Sua vida é uma casa de janelas trancadas
Ele ama a liberdade,
E a única coisa que tem
É a angustia para passar os dias...
#walter sarça

terça-feira

Devaneio

"Trago-te uma água perdida em tua mémoria - segue-me até a fonte e encontre seu segredo."
#Patrice de La Tour Du Pin


"(...) qualquer que seja a fraqueza de nossas asas imaginárias, o devaneio do vôo nos abre um mundo, é a abertura para o mundo, grande abertura, larga abertura. O céu é a janela do mundo. O poeta nos ensina a mantê-la aberta de par em par."
#Gaton Bachelard