CASCAS QUEBRADAS
tomei nas mãos o poeta e disse-lhe "Construa uma casa!"
e ele me mostrou as estrelas, as árvores, as montanhas, o mar...
eu chorei!
bebi do mar, e fiquei com mais sede
comi estrelas, e morei dentro das árvores...
agora estou aqui,
o poeta tornou-se velho, folha, criança
um grande amigo de olhos atentos,
e brinca nos meus ombros, descansa em meus ouvidos.
...
as manhãs mais frias são aquelas em que acordo tarde
aquelas em que não rego as plantas, em que não recebo o céu!
os planetas pesam todos sobre mim
as mulheres me ignoram e os anjos urinam na minha cabeça.
tremo pelas ruas, entre homens elefantes e mulheres barbadas.
sei das manhãs quentes também, de súbito as vezes.
nesses dias sou pássaro, uma pedra, um olho
e os acontecimentos se despem e somem do nada.
roubo um punhado de doces de suas vitrines
e distribuo entre os mortos no cio...
...
a vela no escuro, gritando com sombras,
dizendo em silêncio seu sangue de vela.
tome uma gota de sol ao por do sol
mas dependendo da quantidade de pulgas,
melhor ir andando pelo corpo.
anda logo!
vá andando pelo corpo, suba na cabeça
e pula...
...
Primeiro perdi o chão. Depois, molhado por líquido espesso, um leite de terra, menstruação ou baba, reencontrei o chão, e é relva... Asas coladas no peito. Nas costas não, no peito. Coisa grotesca, um livro em que não se distingue as letras. Foi assim que voei. Agora o coração, um punhal enfiado, sangra! Sangra pois, mostra sangue aos que não sangram.
Um óvulo, de alguma maneira é peixe, árvore ou pedra. Percebi vida na vasilha com água, sempre a água. Minha vida veio quando ouvi as estrelas, eu tinha nove anos, e dormia em um beco. Depois o escuro passou a ser um pai, e o sol a minha mãe, que me embala entre árvores secas. Vi no olhar humano o mesmo olhar de um tigre, de uma lebre.
Aprendi a voar para receber sensações como as que recebem as folhas, mas esse sonho de folha me custa caro, que importa? Não sei se o vento me leva ou se na poça sucumbo.
O belo nisso tudo é esse deslizar no escuro...
...
Destilo o trago no próprio gole... os venenos, como me seduzem... aqueles que brotam das entranhas. provavelmente nem sejam venenos, embora muitos morrem ao sorvê-los. eu diria, com toda a minha magreza, que estes venenos me deixam mais endiabrado. é isto, eu começo a sentir a exata medida de um gole, seja de loucura, devaneio, erotismo ou virtude... e quero beber, solitário às vezes, com mil seres encantados ou imaginários outras... e cantar em meio à multidão surda, ou no quarto quietinho, posição fetal... preparado para explodir, sem direção, levando um mundo nos bolsos, e uma árvore florida nos olhos.
...
Quando as pedras rolam, não se ressentem. Já os humanos querem sempre o privilégio de não sofrer. Tudo com o outro, comigo, nada. Que lixo, o mundo é para todos. A dor é injusta? A alegria? Em verdade (oh mentiras) eu vos digo, a dor ou o prazer são da vida. A vida é da morte, a morte é da vida. Dualismos (cansaço!). Há jogos no mundo... De poder, amor, poesia... Jogos... Ganhos e perdas. Amizade, amor, sexo, inimizade, canibalismo. O Mundo não se fundamenta na segurança, o mundo está caíndo, não apenas girando, mas caíndo, subindo, expandindo, encolhendo...Vejo as vibrações do mundo. A fornicação de tudo. A pele macia, o pus expelido... Cada homem e mulher é um universo, e o universo não se importa.
Aceite a tua dor, tristeza, vazio, feiúra, alegria, beleza, plenitude... E saiba que não são teus... são a própria pedra, o pó ao vento...
#Sarça
# Sarça
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